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O Green New Deal e a palavra “nuclear”

O governo Biden colocou em seu projeto de justiça climática a energia nuclear, uma fonte de baixa intensidade de carbono, que poderia ser mais usada para complementar as fontes renováveis. O debate está aberto

Carlos de Mathias Martins
29 de julho de 2024
O Green New Deal e a palavra “nuclear”
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Com a derrocada do regime negacionista dos EUA, a abordagem ao tema das mudanças climáticas no país norte-americano sofreu uma guinada de 180 graus. Em menos de um mês de governo, o presidente Joe Biden publicou um decreto que estabelece uma série de medidas para enfrentar os efeitos do aquecimento global e iniciou tratativas com o Congresso americano para implementar o plano de campanha que promete “justiça climática e um futuro de equidade energética”. Mas a tradução é livre e não tenho certeza de ter entendido direito.

Usando como base uma resolução preparada por um grupo de congressistas democratas intitulada ”Green New Deal”, a administração Biden pretende alavancar investimentos em energia renovável e tecnologias limpas como plataforma para fomentar a criação de empregos e posicionar o país na liderança do desafio climático. O termo “Green New Deal” remete obviamente ao New Deal, conjunto de programas sociais e econômicos implementados pelo presidente Franklin Roosevelt para tirar os Estados Unidos da depressão econômica durante os anos 30 do século passado. O pré-projeto de lei original do Green New Deal enviado ao Capitólio em fevereiro de 2019 era um panfleto, mas, como na política vale tudo, não vale a pena nem comentar aquele documento.

Já o recorte do programa de governo de Joe Biden que incorpora as teses do Green New Deal é bastante abrangente e embora igualmente panfletário (a palavra “sindicato” aparece no texto 32 vezes, enquanto a palavra “clima” aparece 28 vezes), o documento elenca uma série de iniciativas para incentivar investimentos em energia renovável e descarbonizar a matriz energética do país.

Porém o que mais me interessa no programa de governo do novo presidente Biden é que a palavra “nuclear” aparece três vezes no documento. Em seu compromisso de campanha, ele propõe a criação de uma agência governamental para estudos avançados do clima que, por sua vez, fomentaria pesquisa em reatores nucleares e tratamento do lixo atômico, entre outras tecnologias de baixo carbono.

O mito da energia nuclear cara e perigosa

Existe um ponto de partida para qualquer análise sobre a viabilidade da descarbonização da matriz energética global. Atualmente, cerca de 63% da eletricidade do mundo é produzida por combustíveis fósseis, 27% por fontes renováveis e 10% por energia nuclear.

Ao contrário das fontes de energia nuclear e fóssil – tais como o gás, o carvão e o óleo combustível –, as fontes de energia renovável são intermitentes, isto é, uma planta solar não produz eletricidade à noite e tampouco uma planta eólica produz eletricidade sem vento. Em alguns anos, baterias elétricas poderão armazenar energia produzida pelas fontes renováveis, mas, hoje, essa solução tecnológica ainda é inviável.

Ou seja, o dilema está colocado: sistemas elétricos precisam regularizar a intermitência das fontes renováveis. Assumindo que a emergência climática é de fato um risco existencial para a humanidade, por que razão a energia nuclear – uma fonte de baixa intensidade de carbono – não é utilizada em maior escala para complementar a geração de eletricidade por fontes renováveis?

As críticas à energia nuclear são diversas e, às vezes, muito genéricas, fato que torna bastante complexo refutá-las. Para efeito de argumentação, irei utilizar como referência nesse artigo o posicionamento do Greenpeace, a segunda maior e mais importante ONG de todos os tempos, precedida apenas pela Igreja Católica.

Recapitulando…

O princípio da precaução, um dos preceitos que norteiam a atuação do Greenpeace, estabelece que caso uma ação ofereça risco de dano severo ou irreversível à integridade de seres humanos e de ecossistemas naturais, na ausência de consenso cientifico irrefutável acerca de sua segurança, tal ação deve ser interrompida.

É nesse contexto que o princípio da precaução é reivindicado no combate às mudanças climáticas: independente da probabilidade de ocorrência de uma série de eventos catastróficos, a principal razão para agirmos imediatamente é o risco de arruinarmos os ecossistemas terráqueos de forma irreversível. Tal risco de ruina não está configurado na geração de energia nuclear, uma vez que acidentes com fontes radioativas são eventos localizados de difícil propagação e portanto não acarretariam a extinção da humanidade.

Ademais, as evidências acerca da segurança da energia nuclear são abundantes: não existe registro de fatalidade em países de primeiro mundo diretamente atribuídas à energia nuclear. No acidente ocorrido em Fukushima em 2011, autoridades japonesas calculam que 573 pessoas morreram em decorrência do estresse causado pela evacuação da população local. Faltou registrar que o derretimento do núcleo da usina foi consequência de um tsunami e de um dos mais severos terremotos de todos os tempos.

Enfim, a literatura técnica é bastante conclusiva: a fonte nuclear é a mais segura de todas – incluindo solar e eólica –, quando avaliada a razão “energia gerada ante as fatalidades diretamente atribuídas à unidade geradora de eletricidade”.

Outro ponto relevante levantado pelos críticos da energia nuclear é relacionado ao tratamento do lixo atômico. De fato, não existe solução de curto prazo para mitigar os efeitos da radiação dos resíduos da geração nuclear. Plantas de energia nuclear precisam equacionar a estocagem de lixo atômico por milhares de anos até que a radioatividade desses resíduos decaia a níveis seguros.

Embora não existam evidências de acidentes graves com resíduos radioativos, é indiscutível que estocar qualquer material por milhares de anos é um problema. Entretanto, essa crítica é falaciosa na medida em que as fontes de combustível fóssil simplesmente depositam os resíduos da geração de energia na atmosfera terrestre na forma de gases de efeito estufa. Segundo o painel de mudanças climáticas da ONU, dezenas de academias de ciência e a NASA, vai dar ruim.

Por fim, de acordo com estudo publicado em dezembro de 2020 pela Agência Internacional de Energia (IEA), a energia nuclear é consistentemente mais barata do que a eletricidade produzida pelas fontes fósseis, nominalmente: gás, óleo e carvão. Punto e basta!

Com o fomento à inovação e sem o viés ideológico que interdita o debate, um dia a energia nuclear vai ser ainda mais barata e abundante e vai caber no sabre azul de um cavaleiro Jedi. Ou você acha que a energia que produz aquele feixe de laser que corta os Dark Troppers ao meio vem de uma bateria alcalina?”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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